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Entrei na história

Um grupo de (mais ou menos) 20 meninas reúne-se semanalmente para mostrar que futebol é coisa de mulher sim

Repórter entra em quadra e o saldo é duas boladas e zero gol

Ao entrar pela parte de trás do prédio do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE), já dá para ouvir os gritos e as risadas femininas na quadra de futebol. O espaço é mal-iluminado e precisa de uma boa limpeza, mas nada que desanime esse grupo de meninas que reúne-se sagradamente todas as segundas e quartas-feiras, a partir das oito horas da noite, na quadra de esportes do CH da Uece, localizado na Avenida Luciano Carneiro, no tradicional bairro de Fátima, para jogar futebol.

 

Chego, sento, presto atenção na dinâmica do jogo e, finalmente, ligo a câmera para começar a filmar as jogadas. É a segunda vez na semana que acompanho o racha feminino. O primeiro dia tirei para conversar com as organizadoras e apenas assistir. Algumas reclamam, falam que se soubessem que ia ser gravado tinham se arrumado, outras se exibem e querem que eu consiga pegar as suas melhores jogadas. Na verdade, mais do que registrar o jogo, tento me enxergar ali no meio delas, já que daqui a pouco vou calçar meu tênis e entrar em quadra.

 

As durações das partidas de futebol são definidas com tempo de 30 minutos ou dois gols do mesmo time. Quem ganhar tem direito a permanecer na quadra e outro time entra. A responsabilidade de cronometrar o tempo fica para quem estiver do lado de fora. E elas jogam muito! Chego pedindo para que tenham paciência comigo e me deixem pelo menos fazer um gol em nome da história a ser contada. Todas prometem que irão me ajudar. Isto não acontece e elas não facilitam em nada meus primeiros 30 minutos de jogo.

 

Já no começo da minha atuação, a maior dificuldade é o preparo físico. Correr a quadra de uma ponta a outra já não é a mesma coisa que era para mim há seis anos quando o futebol era uma rotina. Mas, a minha maior preocupação é decorar o rosto das meninas do meu time, que fui apresentada na hora, e tentar tocar a bola corretamente. Os goleiros, por incrível que pareça, são homens. Um deles é conhecido por todos como Franklin e é dono da cantina do Centro de Humanidades e amigo das meninas, o outro é um dos zeladores do lugar.  Ver dois homens jogarem em um grupo de mulheres e contentando-se apenas em ficar no gol é, no mínimo, surpreendente, principalmente em um universo machista como o futebol. Mas, rapidamente percebo que a amizade é maior do que qualquer preconceito e o respeito é mútuo.

 

Em quadra, furar o bloqueio da defesa é difícil e quando consigo me aproximar do gol, alguém rapidamente toma a bola e inicia um contra-ataque. Quando não, o goleiro consegue parar e  pegar a bola antes mesmo que termine a jogada. É frustrante! Pensei que fosse ser mais fácil. Afinal, há alguns anos eu estava jogando futebol nessa mesma quadra.

 

Depois de alguns minutos e várias corridas, uma bolada: de reflexo, levanto o braço e impeço que a bola venha de encontro ao meu rosto. Mais alguns minutos, já na defesa, tento impedir um ataque e levo outra bolada, dessa vez na perna. “Isso vai ficar roxo, certeza!”. As meninas finalmente, lembram que eu havia pedido para que me deixassem fazer um gol e me colocam para cobrar uma falta. Fico nervosa, chuto mal e o goleiro pega a bola. Todas riem e dizem que a oportunidade não faltou. No final, perdemos de 1x0.

 

Outra partida começa. Enquanto isso, converso com as outras meninas que também estão do lado de fora da quadra aguardando a sua vez de jogar. Algumas estão no racha pela primeira vez e chegaram até a Uece por intermédio de outras meninas. Uma delas conta que estava procurando um lugar pra jogar. “Moro e estudo perto, e me contaram que havia um grupo de meninas que se reunia para jogar toda semana na quadra”. Outras vieram por indicação de amigas. Todas afirmam que é difícil encontrar um racha feminino que jogue com frequência em Fortaleza.

 

O time tem um nome engraçado: IEU Futebol Clube. A idéia surgiu a partir de uma das fundadoras do racha, Jéssica Nunes, 25 anos. Ela sempre jogou futebol, seja com os amigos ou no colégio. Mestranda em Filosofia pela Uece ela está em todas as partidas “oficiais” do time. Jéssica conta que sempre jogava com camisa de um abadá de um bloco de carnaval chamado IEU. Com o passar do tempo, o nome diferente pegou e foi oficializado, com direito a camisa e a brasão, que apenas os membros fixos têm e mais antigos possuem.

 

Jéssica Nunes é considerada a fundadora do IEU, mas atualmente quem é a responsável por convocar, por WhatsApp, as meninas para os jogos é a Jéssica Fernandes, 24 anos. Xarás, ambas são alunas da Uece e professoras, Nunes ensina filosofia e a Fernandes, português. A maioria das jogadoras do time são estudantes universitárias.

 

O tempo acaba e o meu time volta para a quadra. Dessa vez, o jogo acaba mais rápido porque está ficando tarde e algumas meninas precisam pegar o ônibus de volta pra casa. A partida dura menos da metade e o meu time perde novamente de 1x0. No final, peço uma foto como registro e fazemos uma pose “oficial” segurando a bola. Peço um feedback de como foi a minha participação. Uma delas afirma que dei bons passes e que jogar bem é só questão de treino.

 

Quando questionada sobre as imagens, afirmo que quando o material ficar pronto envio para elas o resultado. Contam, com orgulho, que recentemente uma jornalista também as entrevistou e que saíram no jornal, em um especial do Dia da Mulher. O racha junta, geralmente, em torno de 15 a 20 meninas. Elas costumam se comunicar por um grupo de WhatsApp, onde além de decidir sobre os jogos, conversam sobre a vida. Muitas delas tornaram-se amigas, todas com uma paixão em comum, o futebol.

PONTO DE VISTA

Jogar com essas meninas me faz voltar no tempo e relembrar quando ingressei no curso de filosofia na Uece, no primeiro semestre de 2011. Um dia, juntamos eu e mais algumas poucas amigas e decidimos jogar bola durante o intervalo entre o final da aula e o início do almoço no Restaurante Universitário. Nesse pequeno intervalo de uma hora, entre 11 horas e meio-dia, nos divertiamos e arriscamos passes. Não tínhamos uniforme, na verdade, só trocávamos de blusa e jogávamos descalças. Depois começamos a chamar algumas meninas e outras começaram a aparecer e pedir para participar, foi assim que conheci a Jéssica Nunes. Alguns anos depois, saí da filosofia e entrei no jornalismo. A amizade continuou e os rachas também, mas eu não tinha mais tempo de ir à Uece e encontrá-las. Assim nasceu o IEU. Hoje só faço parte da torcida e tento comparecer a alguns jogos. Voltar a jogar, reacendeu a paixão que sinto pelo esporte e a vontade de retornar às quadras, apesar de ter sentido o joelho direito durante duas semanas após o racha. Mas já avisei que em breve volto, é só questão de tempo e disponibilidade de horário.

Por: Sarah Sousa

DOCUMENTÁRIO - FUTEBOL DE SALTINHO - IEU FUTEBOL CLUBE 

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